top of page

Uso de Pornografia: o foco está na quantidade ou na angústia que ela traz?

Atualizado: 20 de jul.

Como psicóloga, e especialmente no meu trabalho com sexualidade e relacionamentos, uma das perguntas que mais me intrigam — e que também ecoa nos consultórios — é sobre o uso de pornografia. Onde está o limite? Quando o que é entretenimento pode se tornar um sofrimento? E, mais importante, o que realmente leva alguém a buscar ajuda para isso?


É muito comum a gente pensar que o problema mora na "quantidade" – "Quantas vezes por semana?", "Quantas horas por dia?". Mas será que é só isso? Um estudo super relevante, conduzido por Mateusz Gola, Karol Lewczuk e Maciej Skorko, vem para nos ajudar a desconstruir essa ideia e aprofundar nosso olhar. Eles se propuseram a investigar o que, de fato, impulsiona as pessoas a procurar tratamento para o que chamamos de Uso Problemático de Pornografia (UPP).


Desvendando a Pesquisa: Quem Participou e Como Foi Feito?


Para chegar às respostas, os pesquisadores analisaram um grupo grande: 569 homens, com idades entre 18 e 68 anos. Desse total, 132 já estavam em busca de tratamento para o UPP.

Para entender a dinâmica, eles aplicaram questionários bem completos, que mediam desde a frequência do consumo de pornografia até os sintomas negativos que surgiam, como culpa, vergonha ou a sensação de estar perdendo o controle. Também exploraram a religiosidade de cada um, a idade, a vida sexual em casal e o status dos relacionamentos. A forma como analisaram os dados foi sofisticada, buscando entender as relações de causa e efeito entre esses fatores.


Os Resultados: Uma Mudança de Rota na Compreensão


Aqui, está o grande "x" da questão, o ponto que considero mais crucial e que precisamos levar para a nossa prática clínica e para as conversas com as pessoas:


  • A frequência? Quase irrelevante! O estudo mostrou que a frequência com que alguém assiste pornografia tem uma correlação muito fraca com a busca por tratamento. Quase inexistente. É como se a quantidade, por si só, não fosse o motor principal para a procura de ajuda.


  • O sofrimento é o verdadeiro motor: O que realmente moveu as pessoas a buscar tratamento foram os sintomas negativos associados ao uso. Ou seja, a culpa, o impacto negativo nas relações, aquela sensação angustiante de "perdi o controle" sobre o próprio comportamento. Esses sentimentos mediaram totalmente a relação entre a frequência e a busca por ajuda. Pense comigo: a frequência só pareceu importar quando ela estava diretamente ligada a essa dor interna.


  • Religiosidade em cena: Curiosamente, a religiosidade também teve seu papel. Ela amplificou a percepção desses sintomas negativos, mas apenas nas pessoas que não estavam em tratamento. Isso nos faz refletir sobre como as crenças podem moldar a forma como interpretamos nossas experiências, e em alguns casos, podem dificultar a busca por ajuda externa.


  • Outros fatores? Menos importantes: Coisas como a idade em que a pessoa começou a consumir pornografia ou há quantos anos ela faz isso não tiveram um impacto significativo na decisão de buscar tratamento.


Reflexões para a Prática (e para a Vida!)


O que tudo isso nos diz? Para mim, essa pesquisa é um divisor de águas. Ela destaca que, no tratamento do Uso Problemático de Pornografia, precisamos tirar o foco da "matemática" do consumo e colocá-lo na qualidade da experiência e nos impactos reais que esse uso tem na vida do indivíduo.


Não se trata de reduzir um número, mas de entender e intervir no sofrimento. É sobre como esse comportamento afeta a liberdade, os relacionamentos, o bem-estar emocional e psicológico.


Além disso, os achados nos convidam a pensar nos critérios diagnósticos. Será que estamos olhando para os pontos certos? E nos convidam a investigar mais a fundo como o uso de pornografia pode impactar a construção de relações íntimas verdadeiramente satisfatórias. Afinal, a qualidade das nossas conexões é fundamental para a nossa saúde mental.


ree

Concluindo: Uma Nova Direção para o Cuidado


Este estudo é, sem dúvida, um pioneiro. Ele nos traz uma evidência clara: os sintomas negativos e o sofrimento são os principais motivadores para alguém buscar ajuda. Não é o "quanto", mas o "como" isso te afeta.


Então, tanto para futuras pesquisas quanto para nós, profissionais da saúde mental, e para qualquer pessoa interessada em compreender esse desafio, a mensagem é clara: precisamos priorizar os aspectos qualitativos do comportamento e o impacto que ele tem na vida da pessoa. É nesse lugar de angústia e de busca por bem-estar que o tratamento se torna realmente efetivo e transformador.


ARTIGO:

Gola, M., Lewczuk, K., & Skorko, M. (2016). ​ What Matters: Quantity or Quality of Pornography Use? ​ Psychological and Behavioral Factors of Seeking Treatment for Problematic Pornography Use. ​ The Journal of Sexual Medicine, 13(6), 815-824. https://doi.org/10.1016/j.jsxm.2016.02.169

Comentários


Tel: (61) 98436-5240

bottom of page